segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Eu, o Cara do Computador

Hoje cedo, bem cedo, o despertador tocou. Tive de acordar, iria fazer o que.

Então tomei coragem e cliquei no ícone do Pou para saber se o Juju precisava de mim. Ele estava imundo, com cara de doente e a boquinha pra baixo, todo cabisbaixo mesmo. Dei banho, remédio, comida. Brincamos de bola. Juju estava feliz e satisfeito, inchado mesmo de tanto comer. Logo meu dia já seria melhor.

Assim que coloquei os pés no chão, vem meu cachorro Ramela. Vira lata, gente boa. Mas parece que nunca está satisfeito, quando não quer sair, quer que eu jogue a bolinha. Fora quando ele faz xixi em algum lugar impróprio da casa, tipo meu quarto.

Me espreguicei e fui checar os emails. Meu chefe estava atrás de mim (quase literalmente rs, piada infame), mas não sei por que diabos ele não me ligou. Ah, sim - meu celular estava sem sinal. Eu poderia estar com os dias contados do meu emprego.
Vesti a primeira roupa que encontrei, sapato, lavei o rosto, quando percebi já estava na cozinha.

"O cachorro está doente", "Você precisa pagar as contas", "Vê se come direito" e blá blá blá. Não sei mais o que ouvi, saí as pressas.

Chegando ao trabalho, me vem um mendigo pedindo dinheiro para comprar pão. Estava óbvio que era pra cachaça, esses caras vagabundos não querem saber de outra coisa. Senão nem estariam nessa vida, concordam? Eu sou completamente contra o bolsa família, porque isso é coisa de quem não quer trabalhar. Mas se vem um cara aos trapos e mal cheiro, me pedindo dinheiro - com a bolsa família aí, pra todo mundo - ah ele tem mesmo que pastar. Enquanto eu estudo, trabalho, como o pão que o diabo amassou pra ter uma vida digna e ainda pago o dizimo pra igreja, me vem esse cachaceiro querendo me extorquir. Brasileiro é uma raça vagabunda mesmo, por isso que eu faço a diferença. Na primeira oportunidade que eu tiver, sairei desse país.


Pisei no prédio, lá estavam as gentis secretárias. As olhei com um leve sorriso, elas me saudaram com um belo ''bom dia''. Fui chegando e cumprimentando a todos, aquela era a minha família de verdade - fiz isso correndo, já que estava prestes a perder tudo por causa da maldita operadora que não funcionou para eu atender meu chefe.

Assim que cheguei no meu andar, todos estavam com cara de desesperados e diziam meu nome, me saudavam com a frase ''finalmente você chegou!", meu chefe "porque você não me atendeu! só caía na caixa postal." Meu departamento me recebendo como celebridade, todos precisavam de mim. Eu resolveria o problema e receberia o prêmio Nobel por salvar a humanidade, com o trabalho que talentosamente realizo pelo meu humilde salário - sim, eu recebo muito pouco pelo meu trabalho digno de premio Nobel, que eu faço mesmo estando de saco cheio, porque afinal de contas é bom.

Depois de uma fila quilométrica, consegui meu café de cada dia.

Entrei no CPD, diminui a intensidade do congelante ar condicionado. Pensei no que poderia estar acontecendo. Loguei no servidor, depois de umas duas horas de muita análise, descobri o que estava acontecendo. Não digo porque este é um conhecimento muito específico e requer muito estudo. Problema resolvido, liguei para o departamento para avisar. Todos ficaram aliviados, imaginei.

Meu emprego estava salvo. Passada a adrenalina, pensei em como minha vida poderia melhorar. Comecei a pensar coisas mirabolantes, do tipo jogar tudo pro alto e ir ser feliz pelado. Mas eu lembrei de como estavam os meus decadentes ex-colegas de escola. Com filhos, trabalhando de logistas ou perdidos no crack. Ou sonhando com um mundo melhor. Eu estava lá com meu emprego garantido pelo meu superior estudo e conhecimento, com um salário que satisfazia bem minha vontade. Olhei pela janela, estava no último andar. Chamo aquela visão de suprema. Eu controlava o mundo.

Pensei como eu faria pra pedir em casamento a pessoa perfeita que namoro há dois anos, a Juliana. Liguei para a floricultura e encomendei um buquê com cartão, sou um ótimo namorado.

Almocei com meus amigos, falei umas besteiras pra garota séria que trabalhava comigo. Ela tinha que se entrosar mais com a gente. Fomos em um rodízio comemorar um aniversário, tiramos fotos e nos empanturramos. Combinamos de beber na sexta.

Voltando ao meu posto de serviço, tomei mais um café e escovei os dentes. Liguei para a Juliana, estava bem irritada. Ainda bem que eu tinha chocolate na gaveta pra levar junto com as flores.

Eu já tinha feito o suficiente com aquele problema de manhã. Ganhei o direito de ver algumas promoções na internet e verificar se alguma delas era pra algo que estava precisando. Fiz outras coisas. Passou finalmente o dia, entrei no ônibus lotado e voltei para casa, no trânsito infernal de sempre. Em breve estarei com minha super caranga.

Cheguei em casa, agradecendo a Deus por estar bem. Vem o Ramela pulando em mim, afinal ele é um bom amigo. E lá veio minha mãe me cumprimentando e dizendo que a impressora quebrou e ela não conseguia mais mexer no computador, porque ele estava travado. 
Depois de tudo o que eu passo, é isso que eu sou pra minha mãe e pra todo mundo. O cara do computador.

Vou buscar as flores pra pedir a Juliana em casamento, nós vamos continuar para sempre nossa história, espero que não seja burrada. Eu queria uma dessas garotas bonitonas, inteligentes, que não ligassem pra minhas saídas nem pro fute no final de semana. Mas ela tem muitas qualidades e  me ama tanto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário